terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Compromissada com o amor e com a festa, Gal surpreende no show A pele do futuro

Gal no show A pele do futuro Foto: Janaina Uribe

Gal Costa estreou a turnê de seu novo show, A pele do futuro, baseada em seu mais recente trabalho, no palco do Tom Brasil, em São Paulo, no último dia 1º de dezembro. Acompanhada por uma afiada banda comandada pelo diretor musical Pupillo, Gal entrou no palco com os acordes roqueiros de Dê um rolê, com a clara mensagem de “enquanto eles se batem”, iria fazer uma apresentação de puro amor, “da cabeça aos pés”. Cumpriu a promessa.

Na sequência, Mãe de todas as vozes, composição na qual Nando Reis bate cabeça para a referência que Gal se tornou dentro da música brasileira. Mamãe coragem, a próxima, situa a cantora como uma das guardiãs do movimento Tropicália e relembra, juntamente com Vaca Profana, o corajoso caminho o qual trilhou ao longo de mais de 50 anos de carreira. Viagem passageira, letra e música de Gilberto Gil, de onde foi tirado um dos dos versos para batizar o álbum e a turnê, arremata com uma visão mais filosófica o que foi essa já longa jornada.

Entre sucessos e pérolas esquecidas de seu repertório, como London, London, Que pena e Lágrimas Negras, Gal segue o show com duas inéditas na sua voz. As curvas da estrada de Santos, dos veteranos Roberto e Erasmo Carlos, e Motor, de Teago Oliveira, da banda Maglore.

Em um momento mais intimista, Gal fica acompanhada apenas pelo tecladista Chicão. Volta, de Lupicinio Rodrigues, compositor para quem a cantora já dedicou uma turnê, destaca a excelência do companheiro de palco. Mas a surpresa vem mesmo na próxima canção: O que que há, parceria de Fábio Jr e Sérgio Sá. Antes de cantá-la, Gal confidencia que a música era um pedido do diretor Marcus Preto, responsável por amarrar o instigante roteiro do show. “Então eu canto”, disse, parecendo um tanto insegura com a escolha. Porém, com uma interpretação arrebatadora, de intenso derramamento romântico, faz a plateia ficar de pé para aplaudi-la. O que que há, Gal? A canção parece ter sido feita para a sua voz.

Na sequência, canta Minha mãe, poema de Jorge Mautner musicado por César Lacerda, feito em homenagem à mãe de Gal, dona Mariah, e à mãe de Maria Bethânia, do Canô. As duas dividiram os vocais na faixa gravada para o CD. Em seguida, emenda com Oração de Mãe Menininha, de Dorival Caymmi, em uma versão bastante percussiva. Esse momento parece já ter sido pensando para a provável participação de Bethânia no DVD do show – Gal disse, em entrevista ao jornalista Renato Vieira, do jornal O Estado de São Paulo, que a gravadora Biscoito Fino pretende registrar A pele do futuro “logo, talvez em uma apresentação no primeiro semestre do ano que vem”. Seria, assim, de fato, o primeiro encontro das duas cantoras depois de longos anos de afastamento artístico – já que no CD o registro se deu separadamente. Gal, em São Paulo. Bethânia, no Rio de Janeiro.

Com a chegada da canção Realmente lindo, ijexá composto por Tim Bernardes, o show ganha ares de festa. O palco adquire novas cores e, provando que o que muitos consideram brega pode ser apenas um ponto de vista – Gal dá novamente voz à romântica Chuva de prata, de Ed Wilson e Ronaldo Bastos, fazendo o “céu” do Tom Brasil ficar estrelado e o círculo no fundo do palco – parte do cenário – se transformar em uma imensa lua. Acerta precisamente o coração do público.

Sublime, a admirável canção de amor composta por Dani Black, transformada em disco music no estilo anos 1970 por Pupillo - a julgar pela reação da plateia - assume a posição de preferida do novo trabalho. Segue-se a ela, Cuidando de longe, “sofrência” de Marília Mendonça e parceiros (e bota parceiros nisso!) e, encerrando o show, “Azul”, de Djavan, que mesmo batida por Gal na longuíssima turnê Voz e violão, agrada.

Com o público em êxtase, Gal sai de cena para retornar logo em seguida e decretar a abertura do Carnaval. Um medley que traz os seus grandes sucessos do gênero, há tempos fora de seu repertório, bota todo mundo para dançar: Bloco do prazer, Balancê, Massa real e Festa do interior. Bis bom é assim: o que deixa o espectador atordoado.

A pele do futuro precisa ser visto como ele é e não pelo o que ele poderia ser (um show do disco). É um espetáculo surpreendente, de uma grande cantora popular. Se em Recanto Gal se empenhou em conquistar um público mais jovem – algo que, de certa forma, teve continuidade com Estratosférica –, nesse novo show ela assume novamente o papel de grande diva da música brasileira. Meu nome é Gal não está e tampouco faz falta no roteiro. Gal já não precisa gritar seu nome para uma nova geração. Também não importa se ela tem 23 ou 70 anos. É, agora, novamente, a Gal de todos.

Set list do show A pele do futuro:
1. Dê um rolê
2. Mãe de todas as vozes
3. Mamãe, coragem
4. Vaca profana
5. Viagem passageira
6. London London
7. As curvas da estrada de Santos
8. Motor
9. Lágrimas negras
10. Que pena (Ela já não gosta mais de mim)
11. Volta
12. O que é que há
13. Palavras no corpo
14. Sua estupidez
15. Minha mãe /Oração de Mãe Menininha
16. Realmente lindo
17. Chuva de prata
18. Sublime
19. Cuidando de longe
20. Azul

Bis:
Bloco do prazer
Balancê
Massa real
Festa do interior

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Amanheceu, eu peguei a viola...



Lembro-me ainda criança assistindo com meu pai ao programa “Canta Viola”, apresentado por Geraldo Meirelles, o “Marechal da Música Sertaneja”. É justamente daí – e de algumas vistas de olhos em programas como “Viola, minha viola”, “Som Brasil” e “Clube do Bolinha” – que tenho algum conhecimento da música caipira/sertaneja.  Conhecimento esse que me surpreendeu ao ler “Cowboys do asfalto”, livro de Gustavo Alonso, uma das minhas leituras neste 2015. Mesmo parco, meu saber era maior do que eu imaginava. Consegui me situar em movimentos e reconhecer os artistas de cada época – ir além dos nomes mais conhecidos.

Confesso que quando recebi esse livro, no começo do ano, demorei certo tempo para decidir se iria me jogar na história do gênero, contada minuciosamente pelo autor.  Não por preconceito, mas pela tendência em privilegiar aquilo que gostamos mais. No meu caso, a chamada “MPB” – e este ano também tivemos excelentes títulos dedicados a ela. Além disso, “Cowboys” é uma leitura longa - mais de 500 páginas; e a gente sempre tem tantos outros livros na fila para ler, não é?

Mas me lancei. Gostei. Alonso aponta com clareza como a música caipira caminhou ao longo desde o início do século XX, a confusão/disputa entre caipira x sertanejo e como cada movimento se desenhou, sobretudo o sertanejo universitário, tão difícil de definir, mas saboroso de saber como ele surgiu, bem como suas características. Também fiquei surpreso ao saber o quanto os cantores do sertanejo universitário já louvaram a bebida – e aqui não vai nenhum sentimento pudico, afinal temos a clássica “Marvada pinga” de Inezita como um dos maiores hinos do gênero.

Discordei do autor em alguns momentos. Por exemplo, quando, ao relatar o apoio que alguns artistas sertanejos deram à ditadura, cita, em comparação com a MPB, Elis Regina e Marcos Valle como também prováveis simpatizantes do regime. A primeira, diz Alonso, pelo fato de ter gravado o clássico “Aquarela do Brasil” por duas vezes em 1969 – o que, de modo algum, significa um ufanismo por parte de Elis. A questão ali era musical. Era uma nova levada de samba que ela e o Conjunto do Menescal queriam mostrar. E há duas gravações pelo fato delas terem sido feitas para discos diversos, lançados em países diferentes. Já a Valle ele acusa pela canção “Flamengo até morrer”, lançada em 1973, cujos versos diziam “que sorte eu ter nascido no Brasil, até o presidente é Flamengo até morrer”, em uma referência ao presidente Médici.
Também discordo quando ele joga todo o peso do que ele chama “institucionalização” da música sertaneja para a TV Globo. Penso que emissoras como SBT, Record e as rádios AM já tinham cumprido esse papel.

Uma pena o livro (na verdade, no original, ele é uma tese) ter sido concluído antes da morte do cantor Cristiano Araújo. Toda a comoção e a polêmica em torno do texto escrito por Zeca Camargo – vítima da Patrulha Galopeira – acrescentaria, sem dúvida, mais umas cem páginas à obra, sobretudo porque o autor, quando descreve os anos 1990, já reclama da desequilibrada comoção causada pelas mortes de Leandro, sertanejo da Geração Amigos, e João Pacífico, um dos “pais da matéria”, ocorridas em um intervalo de seis meses.

Enfim, mesmo não sendo mais um lançamento – o que pode ser uma vantagem, pois, a esta altura, o livro pode já estar com um preço mais em conta – fica a dica de uma boa leitura. Vale ter a mão também – para checar e confrontar versões - o “Bem Sertanejo”, organizado pelo jornalista André Piunti e pelo cantor Michel Teló a partir da série homônima exibida pelo programa Fantástico.

P.S. Mas por que esse texto tão atrasado, de um livro lançado no começo do ano? Talvez pela reflexão de que em 2016 eu devo me lançar cada vez mais por outros assuntos. Faz bem!

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Elza Soares: até o fim!



Elza Soares em sua novo show, A mulher do fim do mundo (Foto:Divulgação/Facebook Elza Soares)

Elza Soares aparece assim em seu novo show, A mulher do fim do mundo: entronizada. Inspirada pela canção "Pra fuder", de Kiko Dinucci, a diretora Ana Turra colocou Elza no topo, de onde a saia da cantora se transforma em lavas que escorrem e vão dar até à beira do palco, em direção ao público. A imagem criada também passa a sensação do enraizamento de Elza. A estreia aconteceu no dia 3 de outubro, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo.

O tom pesado do disco, pontuado por guitarras e distorções - que causou certo estranhamento até em fãs da cantora -, ou samba noise, como definiu o crítico Mauro Ferreira, ganha um refresco ao vivo, mesmo com o inevitável visual dark do show. Isso se dá em grande parte pelo imenso carisma de Elza. No final da primeira canção, "A mulher do fim do mundo", Elza ameaça, pede, implora por diversas vezes que a deixem cantar "até o fim". A plateia fica atônita. A opção cênica de trazer bateria e percussão para a linha de frente do palco reforça a ideia de que há muito samba nas composições da turma paulista recrutada por Guilherme Kastrup. 

No final, depois de refletir sobre sua existência, de denunciar a violência contra a mulher e a realidade das ruas, Elza evoca Elton Medeiros com "Pressentimento". Apesar de sua aparente dor, a cantora ainda espera seu tempo ansiado de se ter felicidade.

O disco está disponível para audição na íntegra no site do Natura Musical, patrocinador do projeto.

terça-feira, 29 de abril de 2014

Com Coração a batucar, Maria Rita conquista um samba para chamar de seu



Maria Rita durante bis do show Coração a batucar.
Foto: Divulgação

Quando Maria Rita pisou no palco da Fundição Progresso, no Rio de Janeiro, na madrugada de 27 de abril, para a estreia de seu novo show, Coração a Batucar, a sensação era a de que o público que lotou uma das casas mais tradicionais da Lapa já estava nas mãos da cantora. E foi assim durante toda a apresentação.

A cantora seguiu rigorosamente o repertório que havia testado em uma espécie de ensaio aberto que realizou no dia 12 de abril na cidade de Lorena, no interior de São Paulo. Assim, abiu com “É corpo, é alma, é religião” (Arlindo Cruz, Rogê e Arlindo Neto), um dos sambas mais empolgantes de seu novo disco, lançado recentemente.

A segunda música foi “Cara Valente”, um dos grandes sucessos de seu primeiro álbum, Maria Rita (2003). Embora seja coerente no roteiro – ela é sucedida por “Maltratar não é direito”, sucesso do disco Samba Meu (2007), e pela nova “Abre o peito e chora”, canções que falam de desencontros e descaminhos do amor, e mesmo levando o público ao êxtase (uma menina que estava ao meu lado deu inacreditáveis pulos de alegria ao ouvir a introdução da canção), “Cara Valente” dá – para quem acompanha a carreira da cantora – a falsa sensação de que o show Coração a batucar será uma reprise do Samba Meu, quando Maria Rita estava começando a pisar mais fundo no universo do samba e ainda se apresentava com uma mistura de canções daquele novo trabalho e os megas sucessos de seus dois primeiros discos.

Coração a batucar
é mais que isso. Superior ao Samba meu, sustenta-se sozinho, sobretudo com o ótimo roteiro construído pela cantora e a opção de fazer um show “samba pauleira”, sem pausas para conversas com o público e com apenas duas ou três canções na linha dor de cotovelo.

Muito segura vocalmente, com total entrosamento com a excelente banda (Ranieri Oliveira- teclados, Alberto Continentino - baixo, Davi Moraes - guitarra, Marcelinho Moreira - percussão, André Siqueira - percussão e Wallace Santos - bateria), Maria Rita faz com que as canções do disco cresçam ainda mais no palco. Acontece com “Fogo no paiol”, “Bola para frente” e “No meio do salão”. Nessa última, fica a vontade de vê-la seguida por “Sem compromisso”, composição de Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro, que já foi gravadora anteriormente pela cantora.

Maria Rita ainda abre espaço para duas canções de Gonzaguinha. A contundente “Comportamento geral” e a entusiasta “E vamos à luta” – essa em um grande arranjo -, ambas mostradas na elogiada apresentação que a cantora fez no Rock in Rio 2013. A artista chegou a cogitar fazer de seu sexto álbum um trabalho apenas com as composições de Gonzaga Jr, mas abandonou a ideia para cair novamente no samba. A contar pela resposta do público nesse momento da apresentação, a decisão foi acertada.

A canção que dá nome ao disco, na verdade, lançada no álbum Elo (2011), serve como pano de fundo para uma passagem de clima do show. Depois de cantar “Coração a batucar”, Maria Rita sai do palco e volta com outro figurino, mais iluminado para concretizar a festa final do roteiro. Faz menções aos filhos Antônio e Alice em “Cria”, emociona-se com “Mainha me ensinou”- canção de Arlindo Cruz, Xande de Pilares e Gilson Bernini que fala sobre ensinamentos e amor de mãe - e faz uma sábia homenagem à mamãe Elis em “Ladeira da preguiça”, acompanhada com empolgação pela plateia. Nesse momento, o cenário, que assim como o figurino também é assinado por Fause Haten, representando grandes lantejoulas, ganha novas cores.


Outra grata surpresa foi ouvir “No mistério do samba”, composição de Joyce Moreno - a mais bonita do disco - na boca do público da Fundição. O refrão “Nasci pela graça de Deus/Num país que tem samba” empolga a cantora também.

Maria Rita ainda abre espaço para os sucessos “Coração em desalinho” e “Tá perdoado”. No bis, “Do fundo do nosso quintal”, de Jorge Aragão, e “O homem falou”, de Gonzaguinha, que, a meu ver, deveria ser a segunda canção do show, no lugar de “Cara Valente”. Entonteceria ainda mais o público, logo de cara.

Os presentes na Fundição pediram e Maria Rita voltou para o segundo bis. Cantou novamente com “É corpo, é alma, é religião”. Como não gosta de fazer diferença com seu público, é bem capaz da segunda volta ao palco se tornar fixa durante a turnê.

Sem experimentalismo, mas com conceito, Coração a batucar – disco e show - é o verdadeiro samba que Maria Rita pode chamar de seu. Com sua cara, sua identidade. Mais um ponto para a cantora, que, desde o seu aparecimento, no começo dos anos 2000, figura como uma das melhores de sua geração.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Maysa, Dalva de Oliveira e Herivelto Martins: os herdeiros não têm medo de suas histórias



Diante dessa peleja toda em torno da “lei das biografias”, ou “Lei Roberto Carlos” (achei esse “alcunha” sensacional, parabéns ao inventor), me veio à mente dois casos. Os herdeiros de Maysa, Dalva de Oliveira e Herivelto Martins tiveram atitudes louváveis, bem antes de tudo isso virar discussão.  Talvez eles tivessem muito mais a temer ou a esconder do que a turma do Procure Saber (Roberto e Erasmo Carlos, Djavan, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Milton Nascimento – como me dói escrever os quatros últimos nomes dentro dessa patacoada toda).

Sem entrar na discussão legal do tema – isso já está mais do que exposto por pessoas muito mais qualificadas em textos na imprensa, internet e TV (Geneton Moraes Neto escreveu um excelente para a Globo News), vou me deter ao que Jayme Monjardim e Pery Ribeiro fizeram sobre a memória de seus pais.

Em 2007, o jornalista cearense Lira Nero escreveu Maysa – Só numa multidão de amores (Editora Globo), uma biografia que conta, em quase 400 páginas, a rica história da cantora paulista. Ao que parece, o único filho de Maysa, o diretor Jayme Monjardim, não se opôs à biografia. Não sei ao certo se Lira recebeu o convite para escrever a história de Maysa ou se ele tomou a iniciativa, mas, como o próprio autor conta no final de seu excelente livro, a própria família forneceu um baú repleto de recortes de reportagens que a própria Maysa (parece que ela não tinha vergonha de sua vida, não é?) guardava. Foi com esse material que Lira partiu para entrevistar cerca de 200 pessoas que conheceram ou passaram pela vida de Maysa.

O livro deve ter inspirado a minissérie Maysa – quando fala o coração, escrita por Manoel Carlos e dirigida pelo próprio filho da cantora. A série, uma das grandes produções televisivas dos últimos anos, passou longe de ser chapa-branca, mesmo tendo Jayme no projeto. Além de colocar Maysa como grande dama da música brasileira – como de fato ela é – mostrou o lado beberrão, briguento e de mãe relapsa da cantora. E não há qualquer vergonha nisso. Simplesmente são fatos. Inegáveis.

Acredito que não deve ter sido fácil para Jayme Monjardim contar essa história. Mexeu com suas lembranças. Decisão doída, com certeza. Mas, principalmente, digna. Certamente por entender que fatos da vida pessoal foram decisivos e interferiram na carreira de Maysa. Impossível desassociar uma coisa da outra. A minissérie foi lançada em DVD, está nas prateleiras, disponível para quem quer conhecer a vida e carreira da cantora.

O cantor Pery Ribeiro também passou por um processo parecido. Em 2006, ao lado de Ana Duarte, escreveu Minha duas estrelas – uma vida com meus pais Dalva de Oliveira e Herivelto Martins (Editora Globo). Logo nas primeiras páginas do livro, nos agradecimentos, o primeiro parágrafo escrito por Pery dá bem ideia da barra que foi trazer as histórias de Dalva e Herivelto à tona. “Dedico este livro a todas as crianças que tivera uma infância atribulada e traumática, e nem por isso deixaram de amar a seus pais, a vida, e de respeitar as leis do Criador, tornando-se maiores que suas dores”.

As “dores” de Pery são brigas, agressões e abandono que ele e seu irmão Billy viveram e presenciaram na infância. Dalva e Herivelto se amaram, se bateram, se agrediram. Mas Pery entendeu que as vidas de seus pais estão fortemente ligadas à música brasileira, afinal produziu um sem número de deliciosas "canções-respostas".

Herivelto compunha recados para a ex-amada. Dalva recorria aos amigos compositores para atacar, em seguida, com sua resposta. A lista inclui clássicos como Caminho certo, Errei, sim, Tudo acabado, Calúnia, Palhaço, entre outras.

A vida de Dalva e Herivelto também virou minissérie, com Adriana Esteves e Fábio Assunção como protagonistas. Os defensores dos caraminguás, como Marília Pêra chamou (dando apoio) a grana reclamada pela turma do Procure Saber, podem argumentar que Pery lucrou ao contar a história dos pais. Será mesmo? Com o livro, duvido muito. Com a minissérie, talvez. Porém, pelo o que consta, Pery não morreu nadando em dinheiro. Apesar de sua grande importância no cenário musical brasileiro – é dele a primeira gravação do clássico Garota de Ipanema – o patrimônio de Pery deve ser infinitamente menor do que a turma que se sente pilhada pelos biógrafos conseguiu juntar.

Jayme e Pery estão em paz, não só com as biografias de seus pais, mas também com a história da música popular brasileira.