quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Amanheceu, eu peguei a viola...



Lembro-me ainda criança assistindo com meu pai ao programa “Canta Viola”, apresentado por Geraldo Meirelles, o “Marechal da Música Sertaneja”. É justamente daí – e de algumas vistas de olhos em programas como “Viola, minha viola”, “Som Brasil” e “Clube do Bolinha” – que tenho algum conhecimento da música caipira/sertaneja.  Conhecimento esse que me surpreendeu ao ler “Cowboys do asfalto”, livro de Gustavo Alonso, uma das minhas leituras neste 2015. Mesmo parco, meu saber era maior do que eu imaginava. Consegui me situar em movimentos e reconhecer os artistas de cada época – ir além dos nomes mais conhecidos.

Confesso que quando recebi esse livro, no começo do ano, demorei certo tempo para decidir se iria me jogar na história do gênero, contada minuciosamente pelo autor.  Não por preconceito, mas pela tendência em privilegiar aquilo que gostamos mais. No meu caso, a chamada “MPB” – e este ano também tivemos excelentes títulos dedicados a ela. Além disso, “Cowboys” é uma leitura longa - mais de 500 páginas; e a gente sempre tem tantos outros livros na fila para ler, não é?

Mas me lancei. Gostei. Alonso aponta com clareza como a música caipira caminhou ao longo desde o início do século XX, a confusão/disputa entre caipira x sertanejo e como cada movimento se desenhou, sobretudo o sertanejo universitário, tão difícil de definir, mas saboroso de saber como ele surgiu, bem como suas características. Também fiquei surpreso ao saber o quanto os cantores do sertanejo universitário já louvaram a bebida – e aqui não vai nenhum sentimento pudico, afinal temos a clássica “Marvada pinga” de Inezita como um dos maiores hinos do gênero.

Discordei do autor em alguns momentos. Por exemplo, quando, ao relatar o apoio que alguns artistas sertanejos deram à ditadura, cita, em comparação com a MPB, Elis Regina e Marcos Valle como também prováveis simpatizantes do regime. A primeira, diz Alonso, pelo fato de ter gravado o clássico “Aquarela do Brasil” por duas vezes em 1969 – o que, de modo algum, significa um ufanismo por parte de Elis. A questão ali era musical. Era uma nova levada de samba que ela e o Conjunto do Menescal queriam mostrar. E há duas gravações pelo fato delas terem sido feitas para discos diversos, lançados em países diferentes. Já a Valle ele acusa pela canção “Flamengo até morrer”, lançada em 1973, cujos versos diziam “que sorte eu ter nascido no Brasil, até o presidente é Flamengo até morrer”, em uma referência ao presidente Médici.
Também discordo quando ele joga todo o peso do que ele chama “institucionalização” da música sertaneja para a TV Globo. Penso que emissoras como SBT, Record e as rádios AM já tinham cumprido esse papel.

Uma pena o livro (na verdade, no original, ele é uma tese) ter sido concluído antes da morte do cantor Cristiano Araújo. Toda a comoção e a polêmica em torno do texto escrito por Zeca Camargo – vítima da Patrulha Galopeira – acrescentaria, sem dúvida, mais umas cem páginas à obra, sobretudo porque o autor, quando descreve os anos 1990, já reclama da desequilibrada comoção causada pelas mortes de Leandro, sertanejo da Geração Amigos, e João Pacífico, um dos “pais da matéria”, ocorridas em um intervalo de seis meses.

Enfim, mesmo não sendo mais um lançamento – o que pode ser uma vantagem, pois, a esta altura, o livro pode já estar com um preço mais em conta – fica a dica de uma boa leitura. Vale ter a mão também – para checar e confrontar versões - o “Bem Sertanejo”, organizado pelo jornalista André Piunti e pelo cantor Michel Teló a partir da série homônima exibida pelo programa Fantástico.

P.S. Mas por que esse texto tão atrasado, de um livro lançado no começo do ano? Talvez pela reflexão de que em 2016 eu devo me lançar cada vez mais por outros assuntos. Faz bem!

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