quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Maysa, Dalva de Oliveira e Herivelto Martins: os herdeiros não têm medo de suas histórias



Diante dessa peleja toda em torno da “lei das biografias”, ou “Lei Roberto Carlos” (achei esse “alcunha” sensacional, parabéns ao inventor), me veio à mente dois casos. Os herdeiros de Maysa, Dalva de Oliveira e Herivelto Martins tiveram atitudes louváveis, bem antes de tudo isso virar discussão.  Talvez eles tivessem muito mais a temer ou a esconder do que a turma do Procure Saber (Roberto e Erasmo Carlos, Djavan, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Milton Nascimento – como me dói escrever os quatros últimos nomes dentro dessa patacoada toda).

Sem entrar na discussão legal do tema – isso já está mais do que exposto por pessoas muito mais qualificadas em textos na imprensa, internet e TV (Geneton Moraes Neto escreveu um excelente para a Globo News), vou me deter ao que Jayme Monjardim e Pery Ribeiro fizeram sobre a memória de seus pais.

Em 2007, o jornalista cearense Lira Nero escreveu Maysa – Só numa multidão de amores (Editora Globo), uma biografia que conta, em quase 400 páginas, a rica história da cantora paulista. Ao que parece, o único filho de Maysa, o diretor Jayme Monjardim, não se opôs à biografia. Não sei ao certo se Lira recebeu o convite para escrever a história de Maysa ou se ele tomou a iniciativa, mas, como o próprio autor conta no final de seu excelente livro, a própria família forneceu um baú repleto de recortes de reportagens que a própria Maysa (parece que ela não tinha vergonha de sua vida, não é?) guardava. Foi com esse material que Lira partiu para entrevistar cerca de 200 pessoas que conheceram ou passaram pela vida de Maysa.

O livro deve ter inspirado a minissérie Maysa – quando fala o coração, escrita por Manoel Carlos e dirigida pelo próprio filho da cantora. A série, uma das grandes produções televisivas dos últimos anos, passou longe de ser chapa-branca, mesmo tendo Jayme no projeto. Além de colocar Maysa como grande dama da música brasileira – como de fato ela é – mostrou o lado beberrão, briguento e de mãe relapsa da cantora. E não há qualquer vergonha nisso. Simplesmente são fatos. Inegáveis.

Acredito que não deve ter sido fácil para Jayme Monjardim contar essa história. Mexeu com suas lembranças. Decisão doída, com certeza. Mas, principalmente, digna. Certamente por entender que fatos da vida pessoal foram decisivos e interferiram na carreira de Maysa. Impossível desassociar uma coisa da outra. A minissérie foi lançada em DVD, está nas prateleiras, disponível para quem quer conhecer a vida e carreira da cantora.

O cantor Pery Ribeiro também passou por um processo parecido. Em 2006, ao lado de Ana Duarte, escreveu Minha duas estrelas – uma vida com meus pais Dalva de Oliveira e Herivelto Martins (Editora Globo). Logo nas primeiras páginas do livro, nos agradecimentos, o primeiro parágrafo escrito por Pery dá bem ideia da barra que foi trazer as histórias de Dalva e Herivelto à tona. “Dedico este livro a todas as crianças que tivera uma infância atribulada e traumática, e nem por isso deixaram de amar a seus pais, a vida, e de respeitar as leis do Criador, tornando-se maiores que suas dores”.

As “dores” de Pery são brigas, agressões e abandono que ele e seu irmão Billy viveram e presenciaram na infância. Dalva e Herivelto se amaram, se bateram, se agrediram. Mas Pery entendeu que as vidas de seus pais estão fortemente ligadas à música brasileira, afinal produziu um sem número de deliciosas "canções-respostas".

Herivelto compunha recados para a ex-amada. Dalva recorria aos amigos compositores para atacar, em seguida, com sua resposta. A lista inclui clássicos como Caminho certo, Errei, sim, Tudo acabado, Calúnia, Palhaço, entre outras.

A vida de Dalva e Herivelto também virou minissérie, com Adriana Esteves e Fábio Assunção como protagonistas. Os defensores dos caraminguás, como Marília Pêra chamou (dando apoio) a grana reclamada pela turma do Procure Saber, podem argumentar que Pery lucrou ao contar a história dos pais. Será mesmo? Com o livro, duvido muito. Com a minissérie, talvez. Porém, pelo o que consta, Pery não morreu nadando em dinheiro. Apesar de sua grande importância no cenário musical brasileiro – é dele a primeira gravação do clássico Garota de Ipanema – o patrimônio de Pery deve ser infinitamente menor do que a turma que se sente pilhada pelos biógrafos conseguiu juntar.

Jayme e Pery estão em paz, não só com as biografias de seus pais, mas também com a história da música popular brasileira.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Ouça: Nora Ney em “Solidão” (a do Tom)



Rainha da fossa. Esse é a principal definição dada a Nora Ney (1922-2003). Sua voz grave ajudava esfumaçar ainda mais as letras dos sambas-canções e o ambiente das boates da zona sul carioca. Nascida Iracema, Nora começou a cantar na década de 50, no rádio. Imortalizou canções como Menino Grande (Antonio Maria), De cigarro em cigarro (Luiz Bonfá), Preconceito (Antonio Maria e Fernando Lobo) e o clássico-gilete no pulso Ninguém me ama, que garantiu a ela o primeiro Disco de Ouro da indústria fonográfica brasileira.

A canção Solidão sugerida neste post – Nora gravou também outra Solidão, composta por Dolores Duran – foi gravada pela cantora em 1954. Trata-se de uma das primeiras composições de Tom Jobim. O maestro a assina com Alcides Fernandes, compositor de sambas.

Solidão é bastante conhecida na versão de Caetano Veloso e de Gal Costa, que a gravou especialmente para a trilha da novela O dono do mundo (1991).

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Fim da turnê Redescobrir de Maria Rita. Saldo positivo ou negativo?



Maria Rita decidiu encerrar oficialmente a turnê Redescobrir – na qual cantava canções de sua mãe, Elis Regina – no último sábado, 20 de julho, no Credicard Hall, em São Paulo.

O show ficou pouco mais de um ano em cartaz e a história dele é bem conhecida. Mas, recapitulando, brevemente: começou com o nome Viva Elis dentro de um projeto criado pelo produtor João Marcello Bôscoli, irmão de Maria Rita, para marcar os 30 anos sem Elis. A ideia, que também abarcava uma exposição e um livro biografia (ainda não lançado comercialmente) sobre Elis, foi comprada pela empresa Nivea, que patrocinou cinco shows gratuitos nas principais capitais brasileiras.

Com a boa recepção do projeto, Maria Rita decidiu, segundo ela, por conta dos inúmeros pedidos de fãs que queriam ver o show, transformá-lo em turnê. E mais: em CD e DVD registrados ao vivo em 11 de agosto de 2012, em São Paulo, que inauguraram seu contrato com a gravadora Universal.

‘Mercenária’, bradaram alguns. ‘Está imitando a mãe’, disseram outros. ‘Esse show é um karaokê, disseram- me alguns amigos e colegas de profissão (todos profissionais qualificadíssimos – e viva a diferença de opinião!), diante da minha empolgação com o show.

Jair Rodrigues – antigo parceiro da Elis – mandou Maria Rita se achar. O crítico Zuza Homem de Mello disse que o projeto é uma “inutilidade absoluta.

Alheia a tudo isso, Maria Rita seguiu. Deu a cara à tapa, mesmo sabendo que ficaria à sombra da mãe no palco. Inevitável. E duvido que ela mesma não tivesse absoluta certeza disso. “Estou aqui mais como filha do que como cantora”, avisava a cada apresentação.

Assisti ao show sete ou oito vezes. Uma logo no início, em Porto Alegre, ainda com o nome Viva Elis. Vi a gravação do DVD. Estive no último show da turnê. Sempre fui, como disse no passado, esperando ver Maria Rita cantando músicas da Elis. Nada além disso.

Redescobrir fez mais bem do que mal a Maria Rita. Trouxe amadurecimento para a cantora. Traquejo. Pelo desafio, foi preciso se superar. Alguns exemplos: se nas primeiras apresentações ela parecia não ter mergulhado no turbilhão emocional da difícil Bolero de Satã (Guinga/Paulo César Pinheiro), ao longo da turnê ela foi ficando à vontade nos versos e na melodia que, no passado, foram cantados por Elis em dueto com o mestre Cauby Peixoto. Tatuagem (Chico Buarque/Ruy Guerra), que me pareceu muito estranha na apresentação de Porto Alegre, foi outra que entrou no eixo ao longo da turnê. Essa última, aliás, virou ‘momento suspiro’ do show.

Há que se destacar a excelente forma vocal de Maria Rita. Na gravação do DVD, depois de um show de quase duas horas, voltou ao palco para refazer algumas canções. Repetiu várias vezes. Talvez tenha cantado por quase três horas. Nenhum sinal de cansaço. 

A voz da Maria Rita também ganhou potência. A maturidade está lhe trazendo tons mais graves.

Avessa a polêmicas e quase obsessiva com sua privacidade, nem mesmo a troca de empresário no meio da turnê (saiu Cajaíba Jr e entrou Marilene Gondim, profissional que também cuida da carreira de Ana Carolina) - e essas trocas costumam ser traumáticas ou combustíveis para manchetes – foi percebida. A turnê seguiu sem problemas.

Perfeccionista, a cantora se cerca, não só de uma competente produção, como também de grandes músicos. Liderados por Tiago Costa (piano e teclados), Davi Moraes (guitarra), Cuca Teixeira (bateria) e Sylvinho Mazzucca (baixo acústico e elétrico) sempre mostraram competência.

Mas o que vem agora? Maria Rita disse, em algumas entrevistas, sem revelar maiores detalhes, que já tem projetos, que está selecionando repertório. Embora eu sinta que ela tenha muita vontade de fazer algo parecido com o Samba Meu (seu terceiro disco), torço para que ela não caia nessa tentação e faça algo mais próximo do seu primeiro trabalho (Maria Rita, 2003) ou do Elo (2011,disco que precedeu o Redescobrir).

Com um disco/show mais centrado em suas interpretações – sem a grandiosidade do Samba meu (o show) e sem a sombra de Elis no palco – Maria Rita poderá dar continuidade a sua evolução como cantora, manter o público que conquistou com o Redescobrir – e ele era visivelmente diferente do Samba Meu – e reconquistar os anti-Redescobrir.

A tarefa não será fácil.

Maria Rita canta Madalena no último show da turnê Redescobrir

 

P.S. Duas ou três sugestões para Maria Rita:

Inevitavelmente, mesmo com um novo trabalho, Maria Rita terá que seguir cantando uma ou outra música da Elis em seus shows. Além de Doce de pimenta, talvez a canção que a Maria Rita mais assumiu no Redescobrir - e ela não deveria abandoná-la - sugiro que ela grave Giro (Antonio Adolfo/Tibério Gaspar), lançada por Elis em 1969. Tem a cara dela, reparem.

Outra: gravar Sol de primavera, do grande (e esquecido) compositor mineiro Beto Guedes. “Quando entrar setembro/e a boa nova andar nos campos”. O motivo? Muito especial. Mas, esse, não conto.

Fotos gentilmente cedidas por Janaina Uribe