Maria Rita durante bis do show Coração a batucar. Foto: Divulgação |
Quando Maria Rita pisou no palco da Fundição Progresso, no
Rio de Janeiro, na madrugada de 27 de abril, para a estreia de seu novo show,
Coração a Batucar, a sensação era a de que o público que lotou uma das casas
mais tradicionais da Lapa já estava nas mãos da cantora. E foi assim durante
toda a apresentação.
A cantora seguiu rigorosamente o repertório que havia testado em uma espécie de ensaio aberto que realizou no dia 12 de abril na cidade de Lorena, no interior de São Paulo. Assim, abiu com “É corpo, é alma, é religião” (Arlindo Cruz, Rogê e Arlindo Neto), um dos sambas mais empolgantes de seu novo disco, lançado recentemente.
A segunda música foi “Cara Valente”, um dos grandes sucessos de seu primeiro álbum, Maria Rita (2003). Embora seja coerente no roteiro – ela é sucedida por “Maltratar não é direito”, sucesso do disco Samba Meu (2007), e pela nova “Abre o peito e chora”, canções que falam de desencontros e descaminhos do amor, e mesmo levando o público ao êxtase (uma menina que estava ao meu lado deu inacreditáveis pulos de alegria ao ouvir a introdução da canção), “Cara Valente” dá – para quem acompanha a carreira da cantora – a falsa sensação de que o show Coração a batucar será uma reprise do Samba Meu, quando Maria Rita estava começando a pisar mais fundo no universo do samba e ainda se apresentava com uma mistura de canções daquele novo trabalho e os megas sucessos de seus dois primeiros discos.
Coração a batucar é mais que isso. Superior ao Samba meu, sustenta-se sozinho, sobretudo com o ótimo roteiro construído pela cantora e a opção de fazer um show “samba pauleira”, sem pausas para conversas com o público e com apenas duas ou três canções na linha dor de cotovelo.
Muito segura vocalmente, com total entrosamento com a excelente banda (Ranieri Oliveira- teclados, Alberto Continentino - baixo, Davi Moraes - guitarra, Marcelinho Moreira - percussão, André Siqueira - percussão e Wallace Santos - bateria), Maria Rita faz com que as canções do disco cresçam ainda mais no palco. Acontece com “Fogo no paiol”, “Bola para frente” e “No meio do salão”. Nessa última, fica a vontade de vê-la seguida por “Sem compromisso”, composição de Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro, que já foi gravadora anteriormente pela cantora.
Maria Rita ainda abre espaço para duas canções de Gonzaguinha. A contundente “Comportamento geral” e a entusiasta “E vamos à luta” – essa em um grande arranjo -, ambas mostradas na elogiada apresentação que a cantora fez no Rock in Rio 2013. A artista chegou a cogitar fazer de seu sexto álbum um trabalho apenas com as composições de Gonzaga Jr, mas abandonou a ideia para cair novamente no samba. A contar pela resposta do público nesse momento da apresentação, a decisão foi acertada.
A canção que dá nome ao disco, na verdade, lançada no álbum Elo (2011), serve como pano de fundo para uma passagem de clima do show. Depois de cantar “Coração a batucar”, Maria Rita sai do palco e volta com outro figurino, mais iluminado para concretizar a festa final do roteiro. Faz menções aos filhos Antônio e Alice em “Cria”, emociona-se com “Mainha me ensinou”- canção de Arlindo Cruz, Xande de Pilares e Gilson Bernini que fala sobre ensinamentos e amor de mãe - e faz uma sábia homenagem à mamãe Elis em “Ladeira da preguiça”, acompanhada com empolgação pela plateia. Nesse momento, o cenário, que assim como o figurino também é assinado por Fause Haten, representando grandes lantejoulas, ganha novas cores.
Outra grata surpresa foi ouvir “No mistério do samba”, composição de Joyce Moreno - a mais bonita do disco - na boca do público da Fundição. O refrão “Nasci pela graça de Deus/Num país que tem samba” empolga a cantora também.
Maria Rita ainda abre espaço para os sucessos “Coração em desalinho” e “Tá perdoado”. No bis, “Do fundo do nosso quintal”, de Jorge Aragão, e “O homem falou”, de Gonzaguinha, que, a meu ver, deveria ser a segunda canção do show, no lugar de “Cara Valente”. Entonteceria ainda mais o público, logo de cara.
Os presentes na Fundição pediram e Maria Rita voltou para o segundo bis. Cantou novamente com “É corpo, é alma, é religião”. Como não gosta de fazer diferença com seu público, é bem capaz da segunda volta ao palco se tornar fixa durante a turnê.
Sem experimentalismo, mas com conceito, Coração a batucar – disco e show - é o verdadeiro samba que Maria Rita pode chamar de seu. Com sua cara, sua identidade. Mais um ponto para a cantora, que, desde o seu aparecimento, no começo dos anos 2000, figura como uma das melhores de sua geração.